Rendimento escolar e exclusão: antes e durante a pandemia

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O rendimento escolar no país é resultado de uma complexa equação de exclusões, que se materializa em históricos desafios para a nossa educação. Muitos recortes são possíveis de serem feitos com relação às múltiplas realidades que temos. Por exemplo: ainda que a maioria (92,3%) de jovens brasileiras(os) de 15 a 17 anos estivesse matriculada em uma escola em 2019, 72,7% delas e deles tiveram frequência escolar líquida, mostrando as dificuldades de permanência dos estudantes na escola (Pnad Contínua – Educação/IBGE. 2019. 2º trimestre).

Aspectos como a diferença entre a oferta de ensino na área rural e na urbana, bem como renda familiar e cor/raça estão diretamente ligados à qualidade da relação de crianças e jovens com a escola, seja no rendimento escolar, seja na própria possibilidade de ter aulas/poder ir à escola – um direito previsto em lei, mas que não se confirma na vida de muitas e muitos brasileiros, como veremos a seguir.

Para realizarmos essas e outras leituras sobre rendimento escolar e exclusão, contaremos com a Plataforma Juventude, Educação e Trabalho (Pjet), desenvolvida pela Fundação Roberto Marinho, com apoio do Itaú Educação e Trabalho, e outros estudos que serão citados no decorrer desta matéria. A Pjet reúne dados de diversas fontes com análises realizadas pela área de Pesquisa e Avaliação da Fundação.

Antes da pandemia

Com tantos dificultadores, determinados momentos da vida escolar das e dos estudantes evidenciam especialmente os obstáculos impostos a elas e eles. A transição entre as etapas de ensino é um dos momentos em que a reprovação e o abandono escolar acontecem de forma mais evidente. Na 1ª série do Ensino Médio, por exemplo, 25% dos estudantes brasileiros foram reprovados ou abandonaram a escola, em 2019.

Se seguir com os estudos já é um grande desafio, estudar na “idade certa” não fica atrás: naquele mesmo ano, 1/3 dos alunos de Ensino Médio das escolas públicas estava em situação de defasagem idade-série no país (Pnad Contínua – Educação/IBGE. 2012-2019. 2º trimestre).

  • Idade certa para ingressar na Educação Infantil: 4 anos
  • Idade certa para ingressar no Ensino Fundamental: 6 anos
  • Idade certa para ingressar no Ensino Médio: 15 anos

Consulte as Resoluções CEB 2018 sobre as idades certas escolares

A garantia do direito à educação básica pode ser avaliada, basicamente, pelo acesso à escola, pela permanência nela e pela aprendizagem. Vemos que não só o rendimento escolar é comprometido, mas a aprendizagem também sofre o impacto do sistema excludente que temos: apenas 5,2% dos estudantes da rede pública do país tiveram aprendizado adequado em Matemática no Ensino Médio (2019). Aqui, um ponto de atenção muito importante: o indicador apresentou piora nos últimos anos (Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB)/Inep. 2011-2019).

Exclusão escolar: local, cor/raça e renda

Quanto mais se avança nos níveis de ensino escolares, pior o cenário – e as desigualdades são especialmente acentuadas nas áreas rurais, em jovens de cor/raça negra e naquelas e naqueles cujas famílias possuem renda menor.

Mais de 10% das crianças de 4 e 5 anos e de jovens de 15 a 17 anos que vivem em áreas rurais são mais excluídos da vivência escolar do que aquelas e aqueles da área urbana (IBGE. Pnad 2019). Essa diferença só é mais amena nas regiões Sul e Centro-Oeste, mas sempre se mantendo a maior dificuldade do acesso para a área rural.

Gráfico: Cenário da Exclusão Escolar no Brasil (Unicef)

Segundo o estudo Cenário da Exclusão Escolar no Brasil, da Unicef (dados publicados no site da estratégia
Busca Ativa Escolar – Unicef e parceiros), crianças e adolescentes pretas(os), pardas(os) e indígenas são as(os) que mais sofrem com a exclusão escolar. Reprovações e a distorção idade-série, que afetam substancialmente mais esses grupos, são consequências poderosas que atrapalham o rendimento escolar, aumentando a carga que os afasta da escola.

Se mais de 70% dos jovens pardos e pretos estão fora da escola, boa parte delas e deles também faz parte do grupo de menor renda, em famílias que ganham até meio salário mínimo (61,9%).

A relação entre renda e seguir nos estudos fica evidente: das famílias com mais de 1 salário mínimo de renda, apenas 9,9% dos jovens de 4 a 17 anos estavam fora da escola, em 2019.

Gráfico: Cenário da Exclusão Escolar no Brasil (Unicef)

Mais evidências do sistema educacional excludente do Brasil: os jovens mais ricos (25%) tiveram acesso quase universal ao Ensino Médio (90,7%), enquanto pouco mais da metade dos 25% mais pobres estavam matriculados nessa etapa.

Nesse mesmo período, estudantes de cor/raça negra tiveram taxa de atendimento escolar 5% inferior à dos brancos (Pnad Contínua – Educação/IBGE. 2012-2019. 2º trimestre).

O rendimento escolar e a exclusão em 2020

Vê-se que as desigualdades sociais e os contextos econômicos, geográficos e culturais refletem na oferta de ensino e consequente acesso às escolas pelo país. As regiões Norte e Nordeste, a população negra e parda e os cidadãos e cidadãs de baixa renda familiar são os que mais sofrem com esse sistema desigual e pouco inclusivo.

Em 2020, com a chegada da pandemia do novo coronavírus, o acesso físico às escolas foi interrompido. Teve início um mergulho súbito no ensino remoto de grande escala.

Segundo dados da Pesquisa Undime Sobre Volta às Aulas, que consultou 2 de cada 3 secretarias municipais de educação do país, 69,8% dos anos letivos de 2020 nas escolas brasileiras foram concluídos até dezembro daquele ano. Desses, mais de 90% exclusivamente com atividades pedagógicas não-presenciais.

Ali, outro elemento que contribui para o aumento das desigualdades entrou em cena: a conectividade com a Internet.

25% dos alunos do Ensino Fundamental na região Norte do Brasil não receberam atividades escolares naquele ano, ou seja, não puderam ir à escola (por conta do necessário isolamento social) e não tiveram como acessar os conteúdos didáticos de alguma outra forma – seja fisicamente, seja pela internet. O percentual é ainda maior quando olhamos para o Ensino Médio (28%).

Em um sentido “surpreendente”, ao levarmos em conta os indicadores das diversas pesquisas expostos nesta matéria, o Censo da Educação Básica/Inep (2010-2020) trouxe dados de aprovação de 2020 substancialmente superiores aos dos anos anteriores:

  • Ensino Fundamental (Anos Iniciais): 98,9%
  • Ensino Fundamental (Anos Finais): 97,7%
  • Ensino Médio: 94,4%

Tal performance salta ainda mais aos olhos quando observamos dados sobre o percentual de jovens que não concluíram o Ensino Fundamental (com 16 anos) e o Ensino Médio (com 19 anos)em 2019 (Pnad Contínua – Educação/IBGE. 2012-2019. 2º trimestre)

  • Ensino Fundamental: 21,6%
  • Ensino Médio: 35,2%

Diante de um cenário, em 2019, com um indicativo forte de defasagem, e que impactaria, naturalmente, o ano seguinte, como pudemos alcançar, em 2020 (o ano da pandemia), percentuais tão altos de aprovação em 2020?

Responder a essa questão remete a um universo de decisões e elementos complexos. Katcha Poloponsky, especialista da gerência de Pesquisa e Avaliação da Fundação Roberto Marinho, traz reflexões importantes sobre a questão.

Seguindo orientação do Conselho Nacional da Educação (CNE), em 2020, em função da pandemia do coronavírus, a maioria das redes foram orientadas a não reprovar os estudantes. A flexibilização e conexão dos currículos de 2020 e 2021 foi uma das estratégias para garantir a aprendizagem dos alunos. Porém, mais de um ano após o início da pandemia, a maioria das escolas ainda estão fechadas. Em novembro de 2020, o UNICEF apontou que mais de 5 milhões de crianças e adolescentes não tiveram acesso à educação no Brasil. Sem muitos recursos para aprender, como um computador e acesso à internet de boa qualidade , muitas crianças e jovens, principalmente os mais vulneráveis, estão ficando para trás. Não podemos ficar tanto tempo com as escolas fechadas. Os impactos vão além na aprendizagem: afetam também a saúde mental, nutrição e proteção de crianças e adolescentes“.

Saiba mais sobre a orientação do CNE

A opinião de professoras e os professores sobre esse rendimento escolar

O Futura escutou educadoras e educadores do país sobre o contexto da educação no Brasil em 2020 – rendimento escolar, exclusão e as definições sobre aprovação (flexibilização curricular e acadêmica – o “contínuo curricular” citado anteriormente, por Katcha). A intenção não foi compor uma resposta definitiva, mas contarmos com pontos de vista daquelas e daqueles profissionais que estão na ponta desse sistema, lidando com tudo isso diariamente.

“O período pandêmico foi muito tumultuado. Tivemos grandes dificuldades com as diversas realidades que temos no estado. Neste momento de pandemia, sou totalmente contra qualquer tipo de reprovação dos estudantes. Primeiramente, porque não são todas e todos que podem contar com o acompanhamento de professores para ajudá-los nas realizações das atividades escolares – tarefa tão importante sobre a qual trata a Lei de Diretrizes e Bases da Educação. Muitos tiveram de se virar sozinhos. Neste momento, tudo que é possível de avaliarmos sobre o rendimento do estudante depende muito do recurso que cada indivíduo tem – e elas e eles estão muito sozinhos mesmo. A ‘melhora’ do índice de aprovação é fruto desse processo extremamente difícil e das adaptações que tivemos de fazer. Este ano, 2021, já conseguimos aperfeiçoar algumas técnicas de avaliação e as respectivas devolutivas. Evoluímos também na empatia que deve estar sempre presente no processo avaliativo.”

Professora Cibele Toledo – Tocantins

“Acredito que (a aprovação) seja uma orientação para dar continuidade no fluxo. Os critérios de avaliação não foram definidos pelas redes, mas, na sua grande maioria, a orientação para mensurar notas de acordo com a participação e devolutiva de atividades valia também para presença. A grosso modo, estudante participando e entregando material foi aprovado.”

Professora Elisa Cavalcanti – Acre

“O índice de aprovação ‘surpreendente’ verificado no último censo escolar explicita alguns desafios da educação brasileira. Por um lado, demonstra que nossa ‘cultura de aprovação’ não foi modificada pela pandemia e, por outro, mascara quais os principais desafios que teremos pela frente. De uma maneira geral, podemos perceber que o avanço de séries ainda é o foco principal do nosso sistema – em detrimento do desenvolvimento de habilidades e competências que deveriam estar no cerne do processo de ensino-aprendizagem. Não se trata de ‘perder’ um ano ou de comemorar que tivemos avanços educacionais durante a pandemia, mas de compreender que uma pesquisa tão importante quanto o censo escolar talvez não seja capaz de nos mostrar nossa verdadeira realidade perante tudo que enfrentamos há mais de um ano.”

Professor João Filipe – Mato Grosso do Sul

“Ultimamente, temos muitas políticas públicas voltadas para educação, principalmente em torno do cumprimento das metas do Plano Nacional de Educação (PNE), já que precisamos cumpri-lo até 2024. Essas políticas públicas, em parceria com a comunidade escolar, resultaram em um trabalho excelente durante o ano de 2019 – que, com certeza, repercutiu em 2020. Mesmo tendo sido um ano afetado pela pandemia, 2020 contou com uma semente que havia sido plantada em anos anteriores. Sabemos que na educação colhemos os frutos a médio e longo prazo.”

Professora Sandra Maria – Distrito Federal

“Isso é um reflexo da política de educação pública à qual aderimos durante a pandemia. Como o acesso à educação na pandemia se tornou ainda mais excludente, tivemos uma determinação de aprovar os estudantes – mesmo aquelas e aqueles sem as habilidades prioritárias que deveriam ter alcançado. O estado, hoje, entende que nenhum aluno deve ser retido. Isso vai resultar, claro, em um aumento particular da aprovação. Mas este momento serviu para nos mostrar coisas importantes. A primeira delas: o diagnóstico das aprendizagens, em sala de aula, deve passar por avaliações diversas que melhor demonstrem a construção dos professores com as(os) estudantes. A segunda: as escolas acabam se colocando dentro de um certo perfil para atender às avaliações em larga escala, quantitativas. A meu ver, o projeto de política pública foi abandonado em detrimento de atender, de qualquer forma, as crianças e adolescentes. Tivemos esta aprovação compulsória por uma questão de não haver outra saída menos pior.”

Professor Thiago Antunes – Pernambuco

A busca por um melhor entendimento do cenário atual, tanto antes da pandemia como durante este período em que ainda estamos, permitirá que tomadores de decisão reflitam e ajam na direção de uma educação básica de qualidade e inclusiva para todas e todos. Torna-se imprescindível, especialmente agora, que a análise seja feita a partir de dados sólidos, com método consistente e rigor na escolha dos critérios escolhidos.

Por uma Educação pelo desenvolvimento do ser, para não deixarmos #Nem1PraTrás.

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